O aumento das temperaturas causado pelas mudanças climáticas tem efeitos amplamente discutidos na produção agrícola. Mas um novo estudo publicado pela Communications Earth & Environment, traz uma revelação inquietante: a maioria das previsões sobre agricultura ignora um fator essencial, o impacto do calor extremo sobre os trabalhadores do campo.
O estudo incorporou as respostas humanas ao calor em modelos globais de produção agrícola. Os resultados mostram que, se os trabalhadores forem fortemente afetados por ondas de calor, a produtividade global na agricultura poderá cair até 18% até 2100, com impactos concentrados principalmente em países como Índia, Indonésia e várias regiões da África. Trata-se de uma mudança de paradigma: não é só a planta que sofre com o calor, o corpo humano também.
Por décadas, a maioria dos estudos focou em como o calor afeta o rendimento das colheitas, ou seja, o quanto a planta consegue produzir. O problema é que isso é só metade da história. Grande parte da produção agrícola em países tropicais depende do esforço físico de milhões de trabalhadores ao ar livre, muitas vezes sem o a tecnologias ou condições adequadas de trabalho.
Quando a temperatura atinge certos níveis, o corpo humano precisa de pausas para se resfriar. Isso significa menos tempo de trabalho e maior risco de doenças. O estudo mostra que esse efeito tende a ser mais grave em culturas como arroz, palma e cana-de-açúcar, que exigem esforço manual intenso em regiões quentes e úmidas. Ou seja, ignorar esse fator é como tapar metade do termômetro.
Os pesquisadores utilizaram um modelo chamado GCAM (Global Change Analysis Model), que simula cenários econômicos e ambientais. Ao incorporar o impacto do calor no trabalho humano, as projeções mudam drasticamente. Veja o que pode acontecer até o final do século:
Esses efeitos não ocorrem de forma isolada. Eles interagem com cadeias de comércio global, alterando o fluxo de importações e exportações. Um colapso produtivo em um país pode significar preços mais altos e insegurança alimentar em outro.
Mais do que estatísticas, o estudo levanta uma questão profunda: estamos realmente preparados para os impactos humanos das mudanças climáticas na agricultura? Se políticas públicas e modelos de adaptação continuarem ignorando a saúde dos trabalhadores rurais, corremos o risco de reforçar desigualdades e crises alimentares.
Por outro lado, o estudo abre portas para soluções. Tecnologias adaptativas, como máquinas com proteção térmica e planejamento de horários de trabalho, podem reduzir o impacto do calor.
Ao incluir o fator humano nos modelos climáticos, os pesquisadores do PNNL lembram que a agricultura do futuro não se faz apenas com sementes resistentes, mas com justiça climática e trabalho digno. E talvez seja exatamente isso que vai garantir comida no prato, e dignidade na colheita.
Omitting labor responses underestimates the effects of future heat stress on agriculture. 23 de maio, 2025. Sheng, D., Zhao, X., Edmonds, J.A. et al.