O dia 20 de novembro de 2023 marcou o 25º aniversário do lançamento do primeiro módulo que mais tarde faria parte da Estação Espacial Internacional (ISS). Naquele dia de 1998, o módulo russo Zarya viajou para o espaço em um foguete Proton lançado de Baikonur. Duas semanas depois, o módulo ivo Unity da NASA foi lançado a bordo da missão espacial STS-88 e acoplado à Zarya por astronautas durante caminhadas espaciais.
Com pouco mais de duas décadas de trabalho, os cientistas da ISS já conseguiram realizar mais de 3 mil experimentos, cujos resultados são de grande relevância para a humanidade. Lá, entre 335 e 470 quilômetros da Terra, e a uma velocidade que ultraa os 26 mil quilômetros por hora, seis laboratórios nos enviam resultados surpreendentes.
Alguns forneceram melhores medicamentos e tratamentos contra o câncer, enquanto outros nos permitiram compreender melhor o envelhecimento e hoje possuem materiais únicos para a exploração espacial.
Sabemos que na ISS tem microgravidade. Na Terra também podemos criar ambientes sem gravidade utilizando uma torre de queda livre, ou através do voo parabólico numa cápsula acoplada a um foguete; mas podemos recriar essa falta de gravidade por apenas alguns segundos. Assim, a ISS é a melhor e única opção correta na realização de experimentos que requerem microgravidade constante.
A ISS é um bom lugar para fazer experiências, mas muito hostil à vida. Lá os astronautas ficam expostos à forte radiação UV do Sol, pois não contam com a proteção da nossa atmosfera e de sua camada de ozônio; a radiação representa uma séria ameaça, não só para os seres vivos, mas também para equipamentos eletrônicos e estruturas das espaçonaves. Para se ter uma ideia, os astronautas que am seis meses no espaço ficam expostos a uma radiação equivalente a mil radiografias de tórax, por exemplo.
Mas estas condições perigosas e diferentes também nos oferecem muitas vantagens, permitindo-nos estudar fenômenos que seriam impensáveis em terra. A maioria dos processos físicos ou biológicos a que estamos habituados depende da gravidade e das condições terrestres, por isso funcionam de forma completamente diferente no espaço.
Várias disciplinas da ciência estão se beneficiando da experimentação em microgravidade, incluindo: biologia, física, engenharia de materiais e medicina. O ambiente espacial oferece grandes oportunidades para a concepção e desenvolvimento de novos medicamentos, por exemplo.
Algumas empresas farmacêuticas utilizam os laboratórios do ISS para estudar e compreender os processos de cristalização de alguns medicamentos. Por exemplo, o Pembrolizumab é um medicamento para tratamento de câncer que está sendo estudado na ISS para melhorar sua fabricação. Os cristais do Pembrolizumab produzidos no espaço são ótimos; na ausência de gravidade são muito mais uniformes e homogêneos.
Além disso, graças aos estudos da NASA e da ESA sobre os efeitos da radiação espacial nos astronautas e nos chamados microssatélites (regiões do nosso DNA susceptíveis a danos e mutações), podemos compreender melhor as consequências da radioterapia em pacientes com câncer, ou mesmo identificar novos marcadores e métodos para detectá-lo de forma mais eficaz.
As células humanas também se comportam de forma diferente no espaço: os astronautas sofrem frequentemente perda de massa muscular e óssea, e os seus sistemas imunitários ficam enfraquecidos. Esses sintomas são muito semelhantes aos efeitos que todos sofremos à medida que envelhecemos. Portanto, as pesquisas no espaço nos ajudam a estudar mais rapidamente os efeitos do envelhecimento, facilitando o desenvolvimento de novos medicamentos e tratamentos.
Algumas células-mãe parecem crescer mais rápido no espaço, o que abre a porta à tentativa de replicar estas condições na Terra e ajudar a tratar problemas como o infarto.
Outra experiência que se destaca é a que foi realizada pelo cosmonauta Sergei Krikalev, sobre plasmas complexos (um estado da matéria muito difícil de alcançar na Terra devido à gravidade) em 2001, que levou a uma melhora na luta contra as infeções bacterianas.
No experimento, ele conseguiu desenvolver um plasma frio em temperatura ambiente capaz de destruir patógenos como bactérias, fungos, vírus e esporos, sem afetar em nada as nossas próprias células. Estes resultados bem-sucedidos na ISS já foram obtidos pela Terraplasma Medical, que atualmente está desenvolvendo dispositivos portáteis de plasma frio para o tratamento de infecções de pele e feridas.
Na ciência dos materiais, uma das grandes conquistas da pesquisa na ISS foi o desenvolvimento dos chamados metais amorfos ou vidros metálicos a granel (BMG).
O aço, o alumínio ou o titânio, conhecidos como ligas convencionais, possuem uma estrutura atômica muito ordenada. Porém, os átomos do BMG não seguem uma estrutura ordenada e cristalina, e são produzidos graças ao resfriamento do metal em estado líquido por vitrificação. A sua estrutura permite-lhes ter grande resistência e dureza, mas ao mesmo tempo uma baixa temperatura de fusão, facilitando o fabrico de peças duráveis e refletoras.
Um dos BMGs mais utilizados na indústria é o Vitreloy 106, uma liga feita de zircônio, nióbio, cobre, níquel e alumínio, usada em 2001 na missão Genesis da NASA para coletar amostras de vento solar. O impressionante aconteceu no final da missão: após completá-la, a sonda caiu devido a uma falha no paraquedas, mas as peças confeccionadas com o Vitreloy 106 sobreviveram ao impacto e permitiram o andamento da pesquisa.